Como o espiritismo explica OS GÊMEOS SIAMESES


A c i ê n c i a   c omo   um  t o d o ,
mas especialmente a medicina, tem surpreendido a humanidade quase semanalmente com descobertas e experiências capazes de
causar perplexidade e, não raro,
temor pelas possíveis conseqüências éticas. Dentre as mais recentes,
poderíamos citar a clonagem, o uso
da engenharia genética em humanos, cirurgias realizadas por robôs,
operações intra-uterinas, técnicas
de transplantes cada vez mais ousadas etc.
No início de novembro do ano
passado, o mundo tomou conhecimento da polêmica envolvendo
uma cirurgia realizada na Inglaterra,
visando a separação de duas meninas xifópagas. O que mais fomentou
a discussão é que tal intervenção
decretaria necessariamente (como
de fato causou) a morte de uma delas, caracterizando a eutanásia para
muitas opiniões. A família, proveniente da ilha de Malta e católica praticante, opunha-se, mas a direção
do hospital recorreu à justiça e consumou a cirurgia.
Antes de adentrarmos na análise das nuanças deste caso em particular, é conveniente nos situarmos
em relação à gênese do fenômeno.
Na bibliografia espírita, encontramos referências aos xifópagos em
duas obras: Gestação, sublime intercâmbio, do médico Ricardo Di Bernardi, e Perispírito e suas Modela-
ções, publicação bem recente de Luiz Gonzaga Pinheiro. Em uma,
temos a respeitada opinião de um
profissional da área e, em outra, relatos obtidos a partir de desdobramentos mediúnicos. Faremos as citações quando forem oportunas,
para ilustrar ou acrescentar algo mais
aos nossos comentários.
O QUE DIZ A MEDICINA?
Do ponto de vista médico, os
casos de siameses compõem o interessante capítulo da embriologia
chamado “teratologia”. Nela se estudam as anormalidades anatômicas
acusadas em um único indivíduo ou
em duplos, sendo que entre estes,
conforme as partes do corpo ligadas,
existem várias classificações e subclassificações. Teríamos na classificação principal os “monstros de eixos corporais paralelos” (teratópagos), os em forma de “Y”, “Y” invertido e os parasitários.
Nos primeiros, teríamos os toracópagos (ligados pelo tórax), os esternópagos (ligados pelo osso esterno), os cefalotoracópagos (ligados
pela cabeça e tórax), os metópagos
(ligados pela face) e os pigópagos
(ligados pelo dorso). Naqueles em
forma de “Y”, há uma bifurcação a
partir de certo ponto do eixo do corpo, isto é, duas cabeças e dois troncos para um par de pernas. Nos “Y”
invertidos, há uma cabeça e tronco
e pares de membros duplos.
No grupo dos parasitários (classificação interessante do ponto de vista espiritual), um dos indivíduos é
atrofiado e parasita o outro, que, em
geral, é bem desenvolvido e proporcionado. Às vezes, nos pigômelos,
do segundo só há o par de pernas
suplementares. Aqui também se enquadra o parasita interno na forma
de tumores benignos, às vezes atingindo o tamanho da cabeça de uma
criança e contendo órgãos mais ou
menos completos, como ossos, fígado, cérebro etc., além dos “quistos
dermóides”, surgíveis em qualquer
tecido do corpo, especialmente ová-
rios. São pêlos, unhas, músculos etc.
Em muitos destes casos, os siameses, que sempre são do mesmo
sexo, desenvolvem-se até a idade
adulta e alguns se casam e têm filhos, como Mirtle Corbum, a chamada “mulher dupla”, no Texas, em
1915. Embora a fonte informe que
possuía quatro pares de pernas, a
fotografia parece indicar a existência
de somente dois, bem como dois
aparelhos genitais completos. Ela
teve cinco filhos, três num sistema e
dois no outro. Violeta e Daisy Hilton
também casaram, com um único
marido.
O caso das xifópagas separadas na
Inglaterra, segundo o que apuramos,
seria classificada como em forma de
“Y”, quase atravessadas, porém com
forte componente parasitário, visto
que possuíam um só par de pulmões
e um único coração, pertencentes, na
realidade, a uma delas apenas. A sobrecarga cardio-respiratória em pouco tempo levaria as duas ao óbito. Daí
a argumentação dos médicos para se
fazer a cirurgia, mesmo contrariando
a vontade da família.
ÓDIOS, OBSESSÃO E EXPIAÇÃO
Do ponto de vista espiritual, entendemos se tratar provavelmente de
dois espíritos ligados por ódio extremo, talvez de muitas reencarnações,
e que renascem nestas condições
não por livre escolha ou punição divina, mas por uma espécie de determinismo originado na própria lei de
causa e efeito. Alternando-se as posições como algoz e vítima e, também, de plano (físico e espiritual),
impelidos por irresistível atração de
ódio e desejo de vingança, buscamse sempre e acabam se reencontrando por vezes em circunstâncias dramáticas, que os obrigam a partilhar
até do mesmo sangue vital e do ar
que respiram.
Com o sofrimento decorrente das
limitações físicas e as dores morais
do convívio forçado e da exposição
à curiosidade pública, um pouco das
energias deletérias acumuladas em
seus perispíritos serão drenadas. A
convivência ensejará que os dois seres, durante a trajetória (seja ela mais
longa ou muito curta), estabeleçam laços de parceria e apoio, despertando
sentimentos de amizade,
de respeito e início de reconciliação pelo perdão,
ainda que imanifestos.
Na erraticidade, terão
que lutar contra o assédio
mórbido que ainda tentará enredá-los nas mesmas
tramas nefastas do passado, revivendo as tristes
cenas de paixões incontroladas e de perseguição
c r u e l .   D e p e n d e r ã o   d e
seus esforços, apoiados
pelos espíritos familiares,
simpáticos e socorristas,
para que resistam às tentações de retrocesso e sigam o caminho da regeneração e do amor.
O Dr. Ricardo Di Bernardi entende que se a
permuta de energias desequilibradas for muito intensa e em nível intelectual, ocorre uma profunda desarmonização dos centros de força perispiritual coronário de ambos. Tal fusão
energética pode atuar como modelador de uma única cabeça para dois
troncos (Y). Quando o desequilíbrio
se prende mais aos sentimentos,  haveria o envolvimento dos centros de
força cardíaco e gástrico e apareceria, então, os xifópagos de “Y” invertido ou letra Lambda.
Deduziríamos que, nos casos
parasitóides, poderíamos estar diant e   d e   p r o c e s s o s  d e  v amp i r i smo ,
onde a força magnética maléfica de
um prevalece, impõe-se, invade e
se implanta de tal forma no perispí-
rito da vítima que o inibe, provocando atrofia física parcial. Nos
casos de quistos e similares, pode se
tratar de espíritos culpados, cujos
perispíritos se encontram profundamente ligados por graves e seculares desequilíbrios que fazem tentativas de reencarnação, drenando,
assim, mesmo que frustradas inicialmente, quantidade expressiva de
energias extremamente negativas,
além de poder estar servindo de expiação ou prova para a mãe.
De qualquer forma, é o poderoso vínculo nocivo entre duas mentes
em desalinho que faz com que, na
hora da divisão do zigoto, em vez de
ocorrer a separação normal que daria origem a dois gêmeos idênticos,
simplesmente se mantenham os dois
embriões unidos.
O confrade Luiz Gonzaga Pinheiro, baseado nas informações de
sua equipe de trabalho, em mais de
uma vez afirma que casos de vampirismo e ódios intensos impõem,
por vezes, o renascimento de corpos l igados ,  com pos s ibi l idade de o
mesmo ser atenuado para gêmeos
univitelinos. Num deles, uma mulher grávida de antigo inimigo cometeu suicídio. Em outro, inimigos por
três séculos e quatro encarnações,
xifópagos em “Y” invertido, desencarnaram aos quatro anos de idade
e ainda mantinham no plano espiritual a mesma aparência, tal qual um
enxerto em vegetais: um amputado
pelas pernas e acoplado no tronco
do outro. O médium observa no perispírito do que não possui pernas a
sombra destas, informa se tratar do
corpo mental e que haveria, futuramente, uma cirurgia de separação de
perispírito, a remodelagem do atrofiado e uma reencanação como gê-
meos univitelinos.
O CASO DAS
MENINAS MALTESAS
Analisaremos agora mais detidamente o caso particular das meninas
maltesas, não quanto às causas espirituais, mas com relação aos problemas éticos envolvidos e suas conseqüências. Os médicos cometeram
eutanásia e deveriam ter sido impedidos pela justiça? E esta pode prevalecer sobre o direito de escolha
dos pais? E os espíritos, que não puderam opinar, como  ficam? O que
foi constrangido a desencarnar terá
diminuído seus débitos ou poderá
aumentá-los, devido à revolta?
Porém, antes de examinarmos o
caso das meninas de Malta, vale
acrescentar que, segundo o pediatra
Percy Sandoval Ribera, de Joinville
(SC), responsável pela equipe médica que faria a separação dos irmãos
Lucas e Gabriel em 20 de fevereiro
deste ano, a estimativa mundial para
a ocorrência de nascimento de gê-
meos com um ou mais órgãos ligados é de um para 14 milhões.
Quanto às suas causas, há muitas dúvidas científicas a respeito.
Para a obstetra Ailena Franck, professora de histologia e embriologia da
Faculdade Evangélica de Curitiba, a
explicação mais aceita é a de que
ocorra uma divisão tardia do ovo
durante o início da multiplicação celular. Outros são da opinião de que
o problema resida nos genes 130 e
150, que seriam defeituosos.
A incidência maior é na África,
mas não por razões raciais, visto
que, nos Estados Unidos, com elevado percentual de negros na popula-
ção, são estatisticamente poucos os
casos. O termo “siameses” surgiu
com os gêmeos Chang e Eng, nascidos em 1811 no Sião, Tailândia. Falou-se até que indicavam o próximo
final do mundo. Vendidos a um circo, casaram com mulheres diferentes e tiveram 22 filhos, morrendo aos
62 anos de idade.
No Paraná, tivemos alguns casos
recentes. Há cinco anos, houve um
caso em forma de “Y” (com duas cabeças) e as crianças morreram logo
após o parto, em Curitiba. Estavam
ligadas pelos pulmões, fígado e coração. Num dos outros dois casos
desse período, em Umuarama, a ligação era pelo tórax e abdome e os
gêmeos também não sobreviveram
ao primeiro dia.
POR QUE TANTA POLÊMICA?
Quanto ao caso das  meninas
maltesas, no qual a cirurgia de separação culminou com a morte de uma
delas (fato dado como inevitável antes mesmo de ser realizada), temos
a análise especialíssima dos fatores
éticos. Não se pode fechar questão
num raciocínio maniqueísta de que
tal ou qual parte envolvida está totalmente certa ou não. Vejamos.
A família, católica praticante, foi
contra a cirurgia, por entender que,
na verdade, estaria se cometendo
eutanásia, mas perdeu o direito de
decisão porque os médicos recorreram à justiça. Podemos traçar um
paralelo deste caso com a legislação
brasileira quanto à doação de órgãos.
A lei em vigor determina que quem
decide sobre a doação é o próprio
paciente (quando em vida, naturalmente), devendo constar em sua carteira de identidade a condição de
doador ou não. Na prática, porém, a
última palavra tem sido da família.
Agora já há um projeto para alterar a lei, atribuindo o direito de decisão à
família, situação vigente de fato. Outra situação é com relação à transfusão
de sangue, não permitida pelos seguidores de certo segmento religioso.
Houve casos em que a palavra dos
médicos prevaleceu, em outros não.
Entendemos que cada caso é um
caso, mesmo dentro de aparente
igualdade de circunstâncias. Mas
quem pode julgar? A justiça, como no
caso em foco? Mas as leis humanas
podem se sobrepor às divinas? Por
outro lado, até onde a religião, com
suas diversas e nem sempre corretas
maneiras de interpretação, pode se
impor acima da razão e da ciência?
Por juramento, os médicos estão
obrigados a salvar vidas. Pode-se
argumentar que, no caso, é preferí-
vel salvar uma, ainda que com graves limitações futuras caso sobreviva, do que perder ambas.
Em O Livro dos Espíritos, questão
359, esclarecem-nos os autores que,
em caso de risco de vida à futura
mãe, é preferível sacrificar a do feto,
“do ser que ainda não existe para
preservar a da que já existe”. Na realidade, vida já existe desde a concepção, mas se completa no nascimento, pois o novo ser está ainda em
formação. Talvez caiba aqui o raciocínio de que, sob risco de se perder
as duas vidas, envidem-se os esfor-
ços para ficar pelo menos com uma.
Outro ponto a favor dos médicos
no cumprimento de seu dever está
na comparação com o caso do soldado que mata na guerra. Na questão 749 da obra citada, os espíritos
respondem que o homem não é culpado quando constrangido pela for-
ça. E na 748, explicam que o mesmo se dá em qualquer caso de legí-
tima defesa. Portanto, a nosso ver, os
médicos estão isentos de culpa, visto que foram movidos pelo sentimento de dever profissional e mesmo humanitário.
FORMA DE REAJUSTE?
Independente da anormalidade,
as crianças não dispunham da capacidade de exercício do livre-arbítrio
devido à idade e não puderam opinar. Os outros decidiram por elas:
uma vive, a outra morre. Mas quem
pode adentrar às causas espirituais
que enlaçaram dramaticamente corpos, vidas e destinos desses dois espíritos? Não teriam pedido talvez
este sacrifício? Por que exatamente
a vida de uma ficou tão a mercê da
outra? Os poucos dias ou semanas
que ambas permaneceriam ligadas
não seriam a execução de uma decisão prévia e voluntária, cuidadosamente planejada para oferecer oportunidade de reajuste e colocar fim às
querelas seculares?
O que representa tal intervalo de
tempo de sofrimento físico diante da
imortalidade do espírito? Ah, mas
elas  não  têm consciência di s so,
pode-se alegar. Enquanto dentro dos
vasos carnais talvez não, mas uma
vez libertas pelo sono e, depois, pelo
d e s e n c a r n e ,   t êm- n a   t o t a lme n t e .
Como dissemos, as enfermidades em
geral provêm do espírito, da mente
em desequilíbrio e culpada, refletidas no perispírito. Para a completa liberação, precisam ser drenadas para
a periferia da individualidade, o corpo físico.
A priori, portanto, não se pode
julgar se, neste caso, os médicos e os
juizes estão certos e a família errada
ou vice-versa. O assunto dividiu a
própria classe médica inglesa. O que
fica de lição é que o homem não
pode mais se privar de considerar a
si mesmo como um ser composto de
corpo, perispírito e alma. Enquanto
insistir em ver só o lado somático, estará correndo grave risco de cometer equívocos de toda ordem. A vida
espiritual, antes e depois da passagem terrena, tem que ser considerada, alargando-se a visão do nosso
papel aqui na Terra.
As comunidades médicas, científicas e religiosas precisam debater,
mas juntas, cada uma respeitando e
procurando aceitar o que for justo na
posição dos outros. Quanto à posi-
ção espírita, colocar-se-á ao lado da
razão que ilumina e do sentimento
que eleva, sem fanatismos ou pieguices. Lembremo-nos que, aos olhos
de Deus, nada escapa, nenhum pensamento, nenhuma intenção. Ele
indica a estrada, mas é o homem que
deve aprender a caminhar.


Revista Cristã de Espiritismo.