“625. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo?
R. “Jesus.”
(Questão 625, do Livro dos Espíritos)
Apesar do vertiginoso avanço tecnológico, não temos conseguido ser mais felizes que nossos antepassados. Facilidades, futilidades e utilidades sim. Nem por isso somos mais felizes. Já não se anda descalço, se senta à porta, nem se faz casas de muros baixos, já não se respira ar puro, não se come alimentos frescos, não se nada em praias imaculadas. Na medida que a medicina avança, nos sentimos mais doentes e viciados em remédios, muitos dos quais são inócuos a vírus super-resistentes, mutantes. Doenças dadas como erradicadas, agora estão voltando e o risco de guerra bacteriológica não está afastado. Apesar das diversões e descanso, cada vez estamos mais cansados e sobrecarregados. Apesar dos planos de final de ano, cada vez menos metas são alcançadas e um monte de coisa se inicia sem se acabar. Compromissos são marcados e não são cumpridos. O progresso em tantas áreas, não nos garantiu uma convivência melhor. As guerras e as guerrilhas se espalham. Cada vez menos conversamos. Agora tudo é por e-mail ou mensagens. Já não se faz visita a amigos e, no próprio lar, a família só se encontra, no intervalo comercial da TV, às pressas na cozinha. Estamos mais sozinhos, apesar de rodeados de pessoas. A Internet que serve para aliviar a solidão e ampliar o conhecimento, serve também para espalhar e fomentar o preconceito, o racismo, a violência, a promiscuidade, a invasão da vida pessoal, as novas modalidades de crimes, a que preço? Não há senhas invioláveis, privacidade indevassável ou paz duradoura. No trânsito há uma guerra declarada, com direito a decalques agressivos nos carros. Cortes letais, freios bruscos, gestos grosseiros e esperteza fazem parte do cotidiano de nossas ruas. A cultura da deslealdade, da intolerância na convivência, do consumismo sexual e dos interesses escusos tem feito prosperar a indústria do divórcio, do aborto casual, das doenças sexualmente transmissíveis, das mães solteiras, da prostituição da classe média, dos filhos que não conhecem seus pais, dos pais que não reconhecem seus filhos, das mães que usam crianças para chantagear ex-maridos. E nisso tudo, a família – instituição que nos diferencia dos outros animais – tem se tornado apenas um amontoado de pessoas que não se suportam. A cada vez menos lares e mais casas. Ainda se paga para que o garçom sirva melhor, mesmo que em detrimento de outros convidados. Ainda se paga propina para que o guarda não registre o transporte irregular de crianças, a direção alcoolizada, a contramão, o estacionamento na calçada, o avanço ao sinal vermelho ou para se apagar a multa. Não, a corrupção não está apenas no alto escalão político, dói constatar que é uma endemia mundial, que exige o preço de muitas vidas, notadamente dos mais pobres que seriam beneficiados com dinheiro público desviado. Aliás, a pobreza avança. São mais de 800 milhões de pessoas que passam fome no planeta e, na contramão desta tragédia, cresce a incidência de doenças ligadas a distúrbios alimentares, como a obesidade, anorexia e bulimia. As periferias crescem numa velocidade seis vezes mais rápida que os centros urbanos. Muitos são os latifúndios, não maiores que os sem lar. Não obstante isso, quem tem posses – não raro e guardadas honrosas exceções - desperdiça, abusa, esnoba. Ainda prevalece a cultura do achado não é roubado, do fazer escondido e do negar até morrer. Apenas a vingança fria foi revogada. Agora o troco é na hora, imediato, servido quente. Afinal, ser honesto, hoje, é ser “otário”. Sob o argumento de que o custo, o lucro ou o ônus é exagerado, programas de computador são copiados, sem a devida permissão. Ainda se sonegam impostos, se declaram dependentes inexistentes, compram-se DVD’s, CD’s piratas, fazem-se gatos para desviar energia e água, falsificam-se documentos para ter acesso gratuito ou mais barato no teatro, no cinema, no campo de futebol, em transportes coletivos ou para se obter aposentadorias, pensões e benefícios indevidos. Ainda sob o mesmo argumento, compram-se objetos roubados para repor o seu próprio que foi roubado. O que está valendo é a máxima: faço porque todo mundo faz. Depois, quando surgem leis exigindo mais documentos, mais burocracias, mais impostos para o exercício de algum direito, logo os mesmos que praticam tais condutas se apressam a criticar acidamente o Estado, como se eles não tivessem nada haver com as causas dessas mazelas. Já não se criam músicas de duplo sentido. Tudo é explicito. Cantam-se apologias ao crime e à decadência moral com a mesma alegria inocente que se cantam bobagens inofensivas. Estes são os ídolos que adoramos. Aliás, já não há qualquer inibição em declarar publicamente que se faz isto ou aquilo, porque estas declarações, não raro, são seguidas de novas confissões de outros ou risadas acumpliciadas com tal estado de coisas. Já se foi o tempo que lobos precisavam de peles de cordeiros. Constrangidos – veja-se que ironia – estão os que não fazem, os que tentam ser honestos, ter bom senso e coerência, os “otários”. Atualmente, os autores de novela estão tendo de dar grande espaço aos vilões, ser mocinho é démodé. A versão americana de herói exige muitas trapaças, balas, explosões e mortes. Alguém desconfia por que tantos jovens se espelham em criminosos perigosos? Cada vez mais se vê pais gargalhando com os primeiros, segundos e centésimos palavrões dos filhinhos, os mesmos que são incentivados a não trazerem desaforos para casa. Atualmente, temos de andar alertas. Olhar desavisado, falar algo dúbio, esbarrar noutrem ou simplesmente ter alguém que não simpatiza conosco, pode render um ou muitos socos e pontapés, como que tivéssemos acabado de abandonar as cavernas. Aliás, brigas atraem atenção das massas, mas se alguém cai na rua, há mais gente para gargalhar que para ajudar. Mata-se por nada, banalmente, talvez porque temos desvalorizado tanto a vida e o seu sentido sagrado. Aliás, matar agora dá status e até medalhas. Bala perdida já é tão comum que não vende mais jornal. Agora estamos na era dos crimes cibernéticos, hediondos, dos horrores coletivos, das mutilações chocantes, dos filhos que matam pais, dos homens, mulheres, avós e crianças bomba. Ainda no século da física quântica, da biotecnologia, das viagens à Marte, dos arranha-céus gigantescos, da nanotecnologia, do genoma humano, cresce o trabalho escravo, o suicídio, o tráfico de órgãos, a exploração sexual em cativeiro, o roubo, a prostituição e a drogadição de crianças, que na primeira infância exigem celulares modernos e na pré-adolescência a liberdade total. Bate-se em mulheres como nunca se bateu e crianças são exploradas como domésticas, em condições deploráveis. Velhos são maltratados em casa, nos ônibus, nas ruas e nas repartições públicas. Cresce a pedofilia, os maltratos a infantes e os adolescentes infratores, algo mais perversos e desamparados. Enquanto isso, livros bons vendem pouco, mas proliferam as revistas e sites de fofocas e para espiar e mal dizer a vida alheia. Na grande mídia, a pauta é ditada pelo interesse político e econômico e o que garante os grandes índices de audiência são os shows de bobagens, o sensacionalismo barato e as notícias ruins. Programa educativo ninguém vê, nem ouve e nem quer ouvir falar. Usa-se como desculpa para não doar para instituições de caridade o desconhecimento da aplicação dos recursos, cuidado este que não é usado para se escolher onde comer, dançar ou comprar futilidades. Os verdadeiros heróis continuam anônimos, mas qualquer modismo passageiro faz heróis nacionais, quiçá mundiais, descartáveis tão logo surja outro modismo. Sem pudor, ainda se joga lixo nas ruas, nos rios, nas praias, em qualquer lugar. Não procure um culpado. Ninguém assume responsabilidades e muito menos “culpa”, mas procure saber quem é o bonzão, muitos se acham. Para visitar uma creche, um asilo ou fazer parte de um trabalho social sempre falta tempo, o mesmo que não falta para tantas coisas sem significado, ocas e efêmeras em si mesmas. Fala-se muito do que não se sabe e calados ficamos quando deveríamos falar. Confunde-se beleza com corpo. Antes se confundíssemos feiúra com indiferença, egoísmo e orgulho. Seria mais exato. Quer-se vencer na vida, mas pela lei do menor esforço, da renúncia zero, do vale-tudo. Amizade hoje tem ganhado a conotação de conivência. As regras mais elementares de boa convivência foram esquecidas. Já não se diz bom dia (que o diga o elevador), obrigado e com licença. Desculpa é uma palavra a beira do desuso. Perdão, para alguns e em tempo breve, existirá apenas como registro arqueológico. Criou-se uma técnica toda especial para fingir que nunca existiu o que existe. Já não se dá retorno a e-mails, nem a telefonemas e tampouco a gentilezas. Devolver o que pegou emprestado então nem pensar. A onda agora é ser subversivo, tosco e aproveitador. Ser do contra apenas para não ser a favor. Alguns começam furando filas de banco para no futuro furarem filas para transplantes de órgãos. Nossos cientistas criticam a religião, mas exigem fé cega nas explicações mais absurdas. E por falar em fé, esta se tornou interesseira, só se ora para pedir, pedir e pedir, quase sempre em benefício próprio. A indústria farmacêutica investe mais em marketing do que em pesquisa. No esporte, os resultados são manipulados. Na educação, os professores não se preparam para ensinar o que não está em livros e os alunos ameaçam cada vez mais agressivamente seus mestres. Já não se pensa em ser mais e sim em ter mais. Muitos vivem de aparências, comprando o que não precisam e esnobando o que não podem pagar a custo do trabalho e da falência dos outros. Esse é nosso mundo. Agimos como se nossas ações não repercutissem na eternidade. E assim erramos e nos habituamos a repetir, anos a fora, atitudes que reconhecemos equivocadas. Mais que isso, quando a oportunidade para refletir e mudar surge, logo se finge que não é consigo, que isto ou aquilo serviria para o amigo, a esposa, o colega de trabalho, não para si próprio ou, pior, saímos com a velha e paralítica desculpa: sou assim e pronto.
Estamos com medo de sair de casa, desconfiados uns com os outros, receosos de amar.
Estamos reticentes em fazer o que deve ser feito, sobressaltados com nosso futuro e de nossos filhos, descrentes.
Estamos sem referência do bem e do mal.
Jesus é a referência. É o caminho, a verdade, a vida.
Não escrevo este texto na condição de ser angelical, de espírito superior, moralizador ou, de outro lado, como pessimista. Longe, muito longe disso. Escrevo para mim também. Poderia simplesmente desejar feliz natal e próspero ano novo, mas prefiro cutucar nossas feridas para não esquecermos que elas existem em nós, porque acredito que podemos sim melhorar o mundo, melhorando como pessoa. Ele não precisa ser como está. Nem nós.
O Cristo veio e deixou um roteiro seguro que é o Evangelho, conhecedor de nossa ignorância e indigência espiritual.
Sim. Ainda precisamos de Jesus.
Precisamos de seu amor, da esperança ativa de dias melhores.
Vinde a mim, disse o Rabi.
O convite ainda é atual e se renova a cada dia, ecoa em cada Natal.
Visão Espírita.