Filosofia Indiana e Filosofia Espírita
O termo correspondente a filosofia, em sânscrito, é darshana - "visão direta". A filosofia indiana possui características próprias; ela não se assemelha à moderna filosofia ocidental dominada pela especulação intelectual e pela preocupação informativa. Encontra-se mais próxima dos filósofos da antiguidade (Pitágoras, Platão, Aristóteles, Plotino, etc...) e dos filosofos católicos medievais no que diz respeito ao amor à visão da verdade e à integração das idéias numa estrutura singular, as quais, geralmente, se encontram compartimentalizadas no ocidente (os diversos ramos da filosofia, psicologia, sociologia, fisiologia, física, etc...). Ela fornece a base fundamental para os estudos especializados e a orientação da vida. Sua preocupação fundamental é a transformação do ser; disto decorre a existência de dois aspectos complementares entre si - o teórico e o prático.
Como escreve Tigunait (Pandit Rajmani Tigunati - Seven Systems of Indian Philosophy, 1983), "conhecimento teórico que não tem aplicação na vida diária não é de modo algum filosofia, mas, apenas, mera especulação metafísica". Os sistemas filosóficos da Índia objetivam traçar roteiros para conduzir o aspirante ao conhecimento da Realidade Última. Um ponto de vista idêntico encontramos na afirmativa de Jesus - "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (Jo. 8:32); aí se afirma:
- O sujeito cognoscente;
- A Possibilidade do Conhecimento;
- O Objeto do Conhecimento;
- A Conseqüência da obtenção do Conhecimento;
A conversão do pensamento em ação com vistas à libertação do indivíduo informa a meta do filosofar, por isto, enquanto a filosofia, no ocidente, se limita a enriquecer-se com os dados que lhe vão sendo fornecidos pelas ciências, reformulando suas concepcões, na Índia as experiências são realizadas no próprio ser, sobretudo pela prática do Yoga, testando-se ao vivo as assertivas tradicionais e conduzindo o homem, através desta singular experimentação, a uma maior compreensão de sua origem e destino.
Os sistemas filosóficos indianos constumam, tradicionalmente, ser divididos em dois grandes grupos, com base na aceitação, ou não, da autoridade dos Vedas. Os que a aceitam são denominados de ortodoxos, e entre estes se contam os que acreditam em Deus como criador e aqueles que rejeitam um criador do mundo, como os sistemasMimansa e Samkhya. Os principais sistemas ortodoxos, além dos dois já referidos, são Vedanta, Yoga, Nyaya eVaisheshika. Entre as escolas heterodoxas, as principais são Charvaka, Jaina e Bauddha (Budismo). Outras divisões são possíveis - sistemas monistas e dualistas; teístas e ateístas.
A Filosofia Espírita tem traços coincidentes com a orientação da Filosofia Indiana. O saber espírita está direcionado à visão da verdade e à aplicação na vida prática dos pontos de vista teóricos, tendo sempre como preocupação fundamental a transformação do homem, e não a mera especulação. Por outro lado, a consideração de um aspecto prático na filosofia esvazia qualquer discussão sobre religião espírita, decorrente ela própria do conceito de religião, ligada sociológica e historicamente a dogmas, rituais, sacerdócio e hierarquia. A depuração filosófica do conceito é possível (Kardec, O espiritismo é uma religião?) . Kardec rejeita uma declaração do Espiritismo como religião por dois motivos:
- "não há uma palavra para exprimir duas idéias diferentes";
- "na opinião geral, religião é inseparável de culto; desperta exclusivamente uma idéia de forma que o Espiritismo não tem";
Uma coisa, no entanto, é certa: mesmo aqueles que negam o aspecto religioso do Espiritismo concordam com suas conseqüências morais e a necessidade da vivência dos postulados aceitos, e nisto reside realmente o que importa (Conf. Kardec, Le Livre des Esprits - Conclusão IX).
Não se deve olvidar, entretanto, que os problemas encarados pelo saber espírita deverão ser submetidos a aproximações complexas, seja metafísica, etíca, epistemológica, sociológica, psicológica, física, etc., numa visão holística, idêntica àquela perspectiva sintetizadora, no dizer de Sir B. N. Seal, entre outros, inerente à filosofia indiana (Chatterjee and Datta, 1984); não podem, por isto, serem dissecados em compartimentos estanques para apreciações científicas, filosóficas e religiosas, desprezada a perspectiva globalizante essencial à própria Doutrina. Vide Kardec, La Genèse - I, 18; O que ensina o Espiritismo (Revista Espírita, 1865), p. 224; Crônica de Bruxelas (Revista Espírita, 1866), p. 266; Le Livre des Médiums, n.os 13 e 18; Le Livre des Esprits, Int. n.o XIII.
Finalmente, consignemos, aqui, uma série de princípios fundamentais que são comuns à Filosofia Espírita e à hindu:
- Unidade Divina.
- Existência dos Espíritos como seres individuais e imortalizáveis.
- Concepção múltipla do Homem.
- Evolução em todos os planos da Natureza.
- Progressividade dos Espíritos.
- Reencarnação.
- Responsabilidade individual e coletiva.
- Lei de causa e efeito.
- Pluralidade dos mundos habitados.
- Comunicabilidade entre os Espíritos encarnados e desencarnados, e entre encarnados, por meios extra-sensórios.
- o hinduismo é também rico de expressões fenomênicas;
- "as manifestações vêem corroborar, a confirmar, mas elas não são a base essencial" da doutrina (Kardec, Le Livre des Médiums, n.o 32).
